Antes de mais nada, preciso deixar uma coisa bem claro: O filme não é 100% ruim. Primeiramente, os visuais do filme são os mais lindos que já foram feitos em qualquer filme da franquia. Algumas cenas isoladas são fenomenais e alguns personagens são muito bem desenvolvidos. Porém, infelizmente, isso tudo é obscurecido por uma série de problemas sérios no filme, que no final fizeram com que Star Wars: The Last Jedi fosse comparável a Batman v Superman. Se você gostaria de saber o porquê e não se importa com spoilers, continue lendo. =)
Essa resenha vai ser dividida em torno dos problemas principais do filme:
Acontecimentos inesperados
Muitos louvaram este filme de Star Wars por ele ser um filme inesperado. De fato, isso é a mais completa verdade. Quase tudo o que acontece no filme não tinha sido nem cogitado pelos fãs da série. O grande problema, no entanto, é quando o inesperado não tem uma explicação coerente. E foi exatamente isso o que aconteceu no filme.
Uma das cenas mais inesperadas de todo o filme, por exemplo, foi a morte do imperador Snoke. É uma reviravolta genial e super interessante – se executada da maneira certa. Porém, a execução dessa idéia magistral foi porca e mal-feita, deixando um sentimento de que “o diretor decidiu fazer isso, então vamos fazer isso, independente de ser coerente ou não.” Porque é incoerente? O imperador Snoke surgiu do nada no ep VII. (De onde ele vem?) Tão logo ele aparece, ele toma para si a posição de IMPERADOR. (Como ele fez isso?) Ele é o mestre do protagonista Kylo Ren e tem um domínio absurdo da força, a ponto de conseguir usar seus poderes de muito longe, enquanto conversa por holograma com um general e consegue controlar facilmente a Rey e o Kylo Ren (no início do filme) sem nem demonstrar sinais de esforço. Ele conecta pessoas por intermédio da força e consegue ler mentes. Ele é um vilão fenomenal, misterioso e forte. Muita ênfase foi dada, após o ep VII, sobre quem o Snoke era e os diretores e produtores ainda disseram, numa entrevista, que o ep VIII traria as respostas pra isso.
O que o ep VIII trouxe, no entanto, foi decepção. Não há explicação de quem Snoke é, de onde ele veio, de como ele se tornou imperador e nem o que ele realmente queria. Temos apenas um Snoke que humilha Kylo Ren no início do filme (que aliás é uma cena épica e super bem bolada) e um Snoke que mima Kylo Ren e faz um discurso extremamente brega sobre “matar o seu verdadeiro inimigo”, que acaba invalidando a cena fenomenal do início do filme, a humilhação do seu aprendiz. O próprio diálogo em si já não faz sentido ou é coerente, mas o pior é a sua morte: Kylo Ren usa a força para girar e ligar o sabre de luz azul, cortando Snoke ao meio.
A incoerência: Snoke é um ser que tem um controle da força que supera o controle da Rey, do Kylo e talvez até do Luke. Ele consegue ler mentes. Ele tem domínio da força mesmo a distâncias bem largas. A morte dele, no entanto, ao invés de levar isso em consideração, ao invés de ser um plano bem bolado e executado, se torna apenas algo completamente incoerente. A sensação foi que o diretor decidiu matar o Snoke e eles filmaram isso, sem se dar ao trabalho de dar motivos aos espectadores.
Como um ponto adicional, nós aprendemos, nos 6 filmes da franquia, que ir para o lado negro da força é algo sério. Quando Anakin está cambaleando entre o bem e o mal, é a morte de Mace Windu que finalmente faz Anakin sucumbir ao lado negro. É notável a mudança de Anakin depois disso. Nós confirmamos isso no ep VI quando Darth Vader deixa bem claro que ele NÃO CONSEGUE desobedecer o imperador, pois o lado negro da força é muito forte, como algo que o aprisiona. É por isso que o final do ep VI é tão comovente. O amor que ele tem pelo filho supera o poder que o lado negro exerce sobre Darth Vader e ele no final consegue matar o imperador, às custas de sua própria vida. Sair do lado negro tem seu preço também.
Porém tudo isso é ignorado no ep VIII. Após Kylo Ren matar seu próprio pai, Han Solo, para finalmente passar para o lado negro da força (algo comparável com a morte de Mace Windu para Anakin ou o fato do imperador querer que Luke matasse o próprio Darth Vader, aceitando assim o controle do lado negro) nós vemos um Kylo Ren MAIS confuso e menos preso pelo lado negro da força. Além disso, Snoke diz que matar a Rey terminaria seu treinamento. Como “matar o pai” atrapalha seu treinamento no lado negro, mas “matar uma desconhecida” seria impactante o suficiente para que Kylo Ren fosse para o lado negro? São incoerências que irritam, pois elas ignoram todo o lore existente e apenas diz: “Olha, eu quero que seja desse jeito, então vcs apenas aceitem.” Incoerências como essa fazem um filme que tinha tudo para ser o melhor Star Wars da franquia se tornar uma piada.
Outra incoerência que nós vemos nesse filme está relacionada a Luke Skywalker. Neste filme, nós descobrimos um Luke revoltado com os jeitos antigos da força, dos Jedi e decide que tudo deve acabar. Mas o grande problema é que Luke não nos dá um motivo do porquê. Ele, em determinado momento, explica como os Jedi foram uma piada (e foram mesmo, de acordo com os ep I a III), mas o fato de Luke ser um personagem dos eps IV a VI faz esse comentário soar estranho. Ele desenvolveu um ódio tão grande… Lendo livros de história? No final do ep VI ele retorna como Jedi e dá equilíbrio à força, mas nenhuma explicação é dada de como aquele Luke, tão simpático e determinado vira um homem paranóico e mimado. Uma outra explicação também foi dada, que ele sentiu medo de Bem Solo e decidiu matá-lo. Após isso, ele sentiu vergonha de si mesmo. E no mal entendido, Ben mata seus aprendizes e foge. O Luke do ep VI não se isolaria. Ele não se isolou nem quando descobriu que seu próprio pai era arauto do imperador. As desculpas para a revolta de Luke não convençem, não dão base pra tanta frustração e acabam fazendo Luke parecer um adolescente revoltado e mimado.
E Luke é um adolescente mesmo, pois também muda de opinião que nem um. Decide que nunca iria treinar Rey, mas após rever o holograma de Leia (que é uma cena muito bonita), decide que tudo bem, Rey vai receber um treinamento. Diz que vai dar 3 lições e só dá duas. Diz que vai queimar os livros sagrados dos Jedi, mas fica hesitando. Diz que não devem mais ter Jedi, mas diz que a Rey é uma nova Jedi. Ele se contradiz o filme todo, parecendo um velho que voltou a ser uma criança. Só faltaram as fraldas, para uma maior verossimilhança.
Pior que isso é o aparecimento de Yoda, como um “fantasma da força”. Imagine um comercial de cerveja onde uma mulher bem avantajada e quase sem roupas segura uma garrafa, fazendo uma cara sexy. Isso é o equivalente de Yoda do filme. Ele não adiciona nada, mas está lá para fazer dinheiro com os fãs da antiga série. Ele aparece como “fantasma”, bate na cabeça de Luke (como? ele não é um fantasma?) e ainda destrói os livros sagrados junto com o altar dos Jedi, quando Luke tem mais um “mood swing”. Pergunta: Se os “fantasmas da força” podem fazer isso tudo, porque o Yoda não se junta com o Anakin, o Obi Wan e o grande Qui Gon Jinn e botam ordem na galáxia? As incoerências são tantas que incomodam demais. Eles tentaram fazer uma homenagem muito bonita e teria sido excelente, se o Yoda não interagisse fisicamente com Luke e a ilha.
Falando em incoerências, você lembra de quanta ênfase foi dado no mistério dos pais da Rey? “The force runs strong in my family” foi uma frase de efeito no ep VII que deixou todos os fãs especulando de onde a Rey veio. A resposta foi inesperada. Ela veio de dois zé ninguém que ninguém conhece. O grande problema com essa resposta é que nós temos uma cena no ep VII da Rey sendo separada dos pais quando criança, para ser protegida. Como que a história dos pais crápulas que abandonaram a filha pois não a amavam entra nessa cena? Como que a frase da rey de que a força é forte na família dela entra nessa explicação? Inesperado? Claro que sim, afinal, é uma grande porcaria de resposta, que não responde nada e simplesmente pisa e ignora tudo o que já foi dito no filme anterior.
Uma incoerência menor, que pode até passar pro espectador menos exigente, é a comandante que assume o cargo, depois da explosão da qual Leia sobrevive (mais sobre isso logo logo). Supostamente ela é uma boa comandante. Supostamente ela foi escolhida pois ela SABE o que significa ser uma líder. Mas o que vemos é uma pessoa mesquinha, que não explica nada a ninguém e ainda tem a audácia de atirar em seus próprios tripulantes. Eu entendo perfeitamente que a idéia foi para que os espectadores imaginassem que ela era uma espiã da Primeira Ordem, mas um comandante e líder, especialmente nos filmes de Star Wars, é uma pessoa que inspira confiança, que explica seus planos, que se importa com seus subordinados. Não vemos nada disso na comandante de cabelo pintado (honestamente, eu não lembro o nome dela e francamente, ela nem merece toda essa honra) que sacrifica 2 naves e 2 tripulantes à toa e só tem a idéia genial de se jogar contra o encouraçado depois que 4/5 da frota foram dizimados, bem na sua frente.
O que nos leva ao segundo grande problema principal do filme:
Absurdos inexplicáveis
Sim, estou falando da Leia voando no espaço. Sim, é uma cena extremamente absurda. Não, o fato dela ser uma Skywalker não dá carta branca pra ela sobreviver uma explosão, uns 5 minutos num espaço a -270 Cº sem ar e ainda se puxar usando a força para dentro da nave. Foi a coisa mais imbecil desse filme, com toda a certeza.
Um segundo absurdo, menos impactante, mas bem tosco, foi o fato de que Finn é um dos pilotos das “naves sucatas” que eles usam pra “ganhar tempo” na grande defesa final da base de Holdo. Eles demoram bem uns 15 minutos indo em direção aos Walkers, em linha reta, numa velocidade considerável. Ele quase se sacrifica mas a Rose salva ele no último minuto, dá um beijo e desmaia. Aonde eles estão? Nos pés dos Walkers, do lado de todos os imperiais. Porém, em menos de 1 minuto, eles estão de volta à base. Voltaram ANDANDO. 15 minutos pra chegar, voando numa nave. 1 minuto pra voltar, andando, carregando uma pessoa nas costas, milagrosamente evitando serem capturados pelo inimigo. Ok.
Se a morte de Snoke não foi um absurdo inexplicável, o fato de Kylo Ren ter tanta facilidade para matar o imperador e tanta dificuldade para vencer os guardas do Imperador (com a ajuda da Rey, ainda por cima), é bem patético.
E um absurdo que vai se repetindo diversas vezes durante o filme é o shift de poder em todas as batalhas. Começamos com apenas um X-wing contra vários destroyers e um encouraçado. Assim que todos os canhões são destruídos, do nada aparecem várias naves rebeldes e váriás naves-bombardeio. Após o encouraçado explodir, surge outro encouraçado do no nada. Eles convenientemente conseguem rastrear uma nave pelo hiperespaço sem explicação ou motivo. Eles convenientemente não conseguem rastrear uma nave pequena que está voando ali do lado deles. Após a destruição de um segundo encouraçado, eles vão de encontro aos rebeldes com um exército de walkers e um aríete com tecnologia da estrela da morte. A impressão que dá é que estou vendo um anime, onde as pessoas do nada conseguem aumentar seu poder de batalha, mudando o ritmo da luta. Mas falarei mais sobre isso ali embaixo, no grande terceiro problema do filme:
Falta de ritmo
No ep IV, quando eles estavam presos pelo raio-trator da estrela da morte, eles bolaram um plano audacioso de desligar o mecanismo para poder fugir. Enfrentaram dificuldades para salvar Leia. Sofreram perdas consideráveis. Eu sentia que aquilo foi de fato algo difícil, um grande obstáculo para os personagens. Mas eles conseguiram vencer.
No ep V, na batalha de Hoth, você nota que os rebeldes fazem de tudo para sobreviver e conseguem, mas é uma vitória que custa caro: a vida de tantos rebeldes, de tantos equipamentos. Nós notamos a frustração de Luke ao achar, inocentemente, que ele vai conseguir salvar a todos na cidade das nuvens, só para perder uma mão e descobrir que o vilão era seu próprio pai. Nós nos chocamos quando Han Solo foi congelado em carbonita.
No ep VI a luta final contra Darth Vader é sofrida. Nós vemos o conflito do jovem Skywalker, lutando contra o lado negro e seus sentimentos de raiva e o que era certo. Tudo isso são apenas exemplos dos grandes desafios que vivenciamos na trilogia original. Eram obstáculos bem pensados, difíceis de transpor, mas que no final, conseguiram ser vencidos, muitas vezes com sacrifícios da parte dos protagonistas.
Isso não existe no ep VIII. É incrível como os problemas aparecem e desaparecem, sem a necessidade de uma resolução da parte dos protagonistas. As naves-bombardeio que explodem sem motivo, mas apenas uma foi suficiente para causar o máximo de destruição. A falta de combustível da nave que se resolveu por não se fazer nada. O fato deles escaparem da vigilância dos rebeldes, para tentar buscar ajuda, sem nenhuma complicação. O fato que eles precisavam achar um decodificador e são colocados na mesma cela que um, que convenientemente abre tudo (Oi McGyver do espaço), o fato deles entrarem no encouraçado do imperador sem esforço, o fato deles serem pegos sem explicação, o fato de da base não ter uma saída mas inesperadamente, ter (graças a uma versão de gelo do Eevee). As resoluções vão acontecendo sem a necessidade de que os protagonistas façam algo. Isso é algo extremamente desanimador num filme.
Falando em falta de ritmo, vamos voltar para a ilustração de um anime shounen: Acho que todos nós já vimos aquele anime onde duas pessoas se enfrentam, estão com o mesmo nível de poder, daí um fala “pronto, terminei meu aquecimento” e do nada aumenta seu poder sem explicação e começa a dar uma surra no outro lutador, que por sua vez fala “ok, terminei meu aquecimento também” e também aumenta seu poder inexplicavelmente e vira o jogo, até que o primeiro combatente diz “então vou lutar sério agora” e mais uma vez aumenta seu poder, virando mais uma vez o jogo…
Foi exatamente isso que aconteceu no filme, tem quase todos os momentos. Um x-wing, destruindo os canhões de um encouraçado sozinho. Destruiu quase todos, menos um. Segundo a conversa dos personagens, se apenas um estivesse funcionando, o ataque não funcionaria. Mas conseguiram destruir o canhão e vieram as bombas. Aí as naves foram atacadas do mesmo jeito, mesmo sem canhões, e explodiu quase tudo. Mas eles conseguiram, com a última nave, explodir um encouraçado e fugir. Para descobrirem que do nada o império aprendeu a rastrear naves pelo hiperespaço e convenientemente, eles tão quase sem combustível, Mas eles bolaram um plano mirabolante pra salvar a frota. Que convenientemente foi dando certo. Mas no final não deu. Aí descobrimos que tinha um outro plano que contava com o fato do império não rastrear naves pequenas, mas o império viu as naves do mesmo jeito e foi destruindo tudo. Aí A louca do cabelo roxo finalmente decide meter a nave dela no meio do encouraçado na velocidade da luz (uma cena espetacular), causando a destruição de um segundo encouraçado e parando com o ataque do império, para 15 minutos depois descobrirmos que eles conseguiram montar um ataque com um exército de walkers e um aríete, que não adiantou de nada, pois eles escaparam do outro lado, na millenium falcon. Teve tanta mudança de ritmo, tantas reviravoltas que não acrescentam em nada, de uma maneira tão incompreensível e sem explicação, que ficou extremamente desinteressante. Cansativo até.
Falando em reviravoltas sem explicação, o filme todo tem uma carência disso. Explicação. Nada do que foi prometido que seria explicado foi explicado. Enquanto alguns poucos personagens foram bem desenvolvidos (como o Poe que tomou uma bronca e aprendeu com os erros), outros foram jogados de lado e não fazem nada nem tem crescimento na série (como o Finn, que só corre de um lado pro outro). Esse filme foi vazio. Teve tanto efeito, tanta reviravolta, tanta coisa inesperada… que faltou espaço pra história.
Por fim, o quarto ponto que não é negativo, mas é nebuloso, pois envolve nossa espiritualidade e nossa consciência:
Áreas nebulosas
Violência. Esse foi um dos Star Wars mais violentos da franquia. Apesar de alguns não ligarem tanto para isso, isso incomoda muito. Infelizmente a gente tá vendo um aumento muito grande da violência nos filmes nos últimos anos e isso não faz bem pra consciência nem para a espiritualidade de ninguém.
A Força aparentemente agora não tem lados. Sem Jedi nem Sith. Sem lado bom ou ruim. Isso pode ser bom de um certo ponto de vista. Um novo Star Wars, com idéias novas e originais. O que eu vejo, no entanto, é que eles tão falando que o mal não é bem mal e o bem não é exatamente bom. Bem no estilo do Habacuque, dizendo que o mal se tornou bom e o bom, mal. Sim, é só um filme. Mas filmes, assim como videogames, jogos, livros, séries e outras coisas também podem ser consideradas más associações, correto?
E por fim, os escritos sagrados, que convenientemente só aparecem nesse episódio. Em nenhum filme falam de escritos Jedi, mas nesse tem lá tudo bonitinho. Tem o cara que diz que são antiquados. Não prestam mais. Mas na hora, fica com receio de destruir. Aí vem o yoda e fala “vc não leu os escritos né?” e ele faz aquela cara quando um morador pergunta pro publicador “você já leu a bíblia inteira?” e ele não leu. E por fim, o Yoda bota fogo nos livros, dizendo que são antiquados mesmo. Pra alguns, aquilo é só lore do Star Wars. Eu vi meio que uma crítica à bíblia. Achei bem chato.
TL;DR
Snoke não é explicado e morre de maneira que não faz sentido, erradicaram o lado negro da força como nós conhecemos, Luke virou um adolescente mimado, Yoda aparece como uma loira de comercial de cerveja, não explicaram nada dos pais da Rey, não explicaram nada do Snoke, Leia sobrevive a uma explosão, a 5 minutos no espaço e usa a força inconsciente, incoerências nas batalhas, mudança de poder sem motivo, falta de ritmo e conteúdo no filme, falta de resoluções dos problemas de forma criativa, personagens não contribuem pra resolução dos problemas no filme, violência desnecessária, crítica à bíblia, falta de história.
Fim.